O SKETCHBOOK DIDÁTICO: uma prática educativa com estudantes do curso de Artes Visuais – PARFOR

Seminário Iberoamericano sobre o Processo de Criação nas Artes, promovido pelo LEENA - Laboratório de Extensão e Pesquisa em Artes, pelo LABARTES e pelo Programa de Pós-graduação em Artes da UFES, em parcerias com a Universidad de Granada e Universidade de Lisboa (2016)

05/12/2018
Por: Márcia Moreno
Sketchbook da autora usado em viagens

O SKETCHBOOK DIDÁTICO: UMA PRÁTICA EDUCATIVA COM ESTUDANTES DO CURSO DE ARTES VISUAIS – PARFOR

Resumo

Com o intuito de qualificar o uso do Sketchbook nas aulas de desenho, o presente artigo, cujo tema é “O Sketchbook didático: uma prática educativa com estudantes do curso de Artes Visuais – PARFOR”, traz uma experienciação desse suporte para possibilitar ao estudante, que já atua em sala de aula, que utilize posteriormente esse material, como um diário das atividades desenvolvidas no decorrer dos semestres. Essa pesquisa tem como principal objetivo, auxiliar esse professor/estudante em suas atividades da disciplina de Artes Visuais, tendo o desenho como um aliado nas práticas educativas, desmistificando o “mau” uso dessa técnica “primária” de comunicação da história da humanidade. Através do Sketchbook o professor/estudante poderá registrar todas as atividades e teorias abordadas em sala de aula,  para que, posteriormente, use esse material como um material didático.

Palavras Chave: Sketchbook; Processo Criativo; Desenho; Material didático

 

Criatividade e o sujeito

No âmbito conceitual ou intelectual, os processos criativos articulam-se principalmente através da sensibilidade, sendo ela patrimônio de todo ser humano, ainda que em áreas sensíveis diferentes. O ser humano nasce com um potencial de sensibilidade, que é um canal ou porta de entrada das sensações, ligando-o de imediato a tudo que acontece em torno desse.

Para a autora Ostrower (1987), adquirindo a significação e começando a interagir mais intensamente com o meio, o sujeito transfere para o consciente e inconsciente, informações absorvidas durante o seu crescimento/convivências e cria símbolos, onde o desenvolvimento do processo possibilita a criação de várias formas de viver e nelas, o nosso fazer.

Gardner (1997) comenta que há uma necessidade essencial do sujeito desenvolver habilidades técnicas. Essa afirmação também encontramos no livro de Dalto (1993), quando ela entrevista vários profissionais de diferentes áreas de atuação, quanto ao desenvolvimento criativo e na maioria, houve a confirmação de que, para um sujeito ser criativo, independentemente da área, há a necessidade da habilidade/conhecimento técnico e de muito “treino”, repetição de exercícios, das atividades.

No processo de preparação/treino, segundo o autor Wallas (apud Alencar, 1993), é uma fase onde o “criador”, pesquisa, anota, discute, explora, aponta os pontos positivos e negativos, dá-se como um investigador. Desta forma ignora-se a ideia de que o artista, escritor e outros, produzem no momento de inspiração ou de iluminação. Ele produz após um intenso processo operatório, tendo esse processo a duração de semanas e até mesmo de anos.

Para que o sujeito desenvolva esse “gosto” pela pesquisa, pelo investigar, é de suma importância que as experiências vividas nos primeiros anos na escola sejam aguçadas, estimuladas e Alencar (1993) afirma que as escolas devem dar maior atenção para a criatividade de seus alunos, promovendo momentos diferenciados que venham a estimular para a busca do “novo”.

 

O desenho enquanto processo

Independente da civilização e período, o desenho teve a sua importância histórica pelo fato de que, se não existisse, muitas civilizações teriam se apagado. O desenho foi uma das contribuições mais importantes para povos egípcios, gregos e romanos no período de 1570-1085 a.C. Encontrado em vários papiros ilustrados, sarcófagos e ilustrações de túmulos esculpidos em rocha, o desenho era visto como um acréscimo à escultura.

Ao passar dos séculos, acompanhando a história da humanidade, foi no século XV que o desenho passou a ser utilizado como croquis e exercícios, mas com muita exigência na proporção e perspectiva. Nesse período, Leonardo da Vinci foi um dos grandes artistas que conseguiu atingir o auge desta expressão através da anatomia humana. Segundo Rudel (1979, apud COX, 2001), o desenho exige dos artistas muito mais dedicação e estudos, pois eles têm a intenção de “imitar a realidade” e chegam a usufruir boa parte do dia em estudos e investigações anatômicas para construir os seus modelos para depois executá-los em esculturas.

A autora Edwards (2002), afirma que para ocorrer o aperfeiçoamento do traço, do desenho, necessitamos aprender a copiar o que se vê para aprendermos a desenhar da realidade para então obtermos a habilidade, onde essa é “[...] o alicerce da maior parte da grande arte, senão de toda. O fato é que sem um certo grau de habilidade técnica não haveria arte nenhuma” (COX, 2001, p.257). Desta forma, com o exercício da “cópia” a possibilidade do sujeito criar é mais considerável, tendo em vista que o repertório é mais amplo para desenvolver esse processo. Contudo, se faz necessário uma orientação adequada para a realização das atividades que envolve o desenho de observação.

Porém, até 1958 aqui no Brasil, ainda era evidente a metodologia ultrapassada de ensino do desenho, mesmo tendo passado por várias reformas educacionais.

Um exercício que em 2012 ainda é conhecido, e sugerido em sites de brincadeiras para crianças, é a ampliação de figuras através do quadriculado, introduzida por Rui Barbosa e chamada naquela época ‘rede estimográfica’. Este e outros exercícios foram preservados através dos livros didáticos de educação artística até os anos 1980, portanto perduraram 100 anos nas escolas brasileiras. (BARBOSA, 2014, p.50-51).

A nossa maior dificuldade, enquanto adultos, é “livrarmos” dos estereótipos já pré-estabelecidos. Há uma repulsa em relação ao novo. Para que não viemos a tornar os nossos alunos em sujeitos menos “elásticos”, devemos nos precaver, propondo atividades interessantes e instigantes, aonde eles venham a manter uma constante em relação ao novo saber e segundo Piaget, o período ideal para isso são nos primeiros anos de vida do sujeito.

Sabemos que aquilo que uma criança de tenra idade memoriza permanecerá para a toda a sua vida. É por isso que podemos ajudar a criar indivíduos com uma mentalidade elástica e pronta a resolver todos os problemas que alguém pode ter na vida: desde encontrar um emprego até projetar sua própria casa ou educar os filhos. (MUNARI, 2002, p. 235-236).

Essa breve explanação citada, reforça a importância em propor algo que ultrapasse as “regras” básicas do ensino do desenho, que perpassam séculos mantendo a mesma metodologia, o que reforça o desinteresse por parte dos estudantes nos espaços escolares.

 

O Sketchbook como Diário Visual

    O diário de artista, nos transmite informações sobre determinados momentos históricos ao qual um sujeito está inserido, onde historiadores do século XX, buscavam uma nova maneira de estudar a história, as estruturas particulares envolvidas nos acontecimentos, sendo que “[...] a vida de uma única pessoa poderia dizer respeito a uma sociedade inteira” (FORCINETTI, 2008, p.17). Neste sentido, esses registros constavam o cotidiano de pessoas comuns, dando maior importância aos detalhes de suas vidas, pois esses detalhes proporcionariam uma nova maneira de estudar e construir dados históricos.

    No decorrer da história, muitos artistas passaram a utilizar esse meio de registro, como forma de estudos, pesquisas e experienciações, podendo ser elas pessoais ou não. Segundo Almeida e Bassetto (2010), “[...] os cadernos de esboços, são ferramentas essenciais no processo de geração de ideias. Portáteis e informais, são pequenos espaços para as experimentações gráficas e exercícios do livre pensamento, companheiros inseparáveis de artistas e criativos em geral.”(p.6).

    O uso desse “suporte” ocorreu por vários artistas no decorrer da história, onde esse diário visual, passa, em alguns casos, a ser o próprio objeto de arte. Após a inserção das pesquisas, esboços, etc. acaba resultando no trabalho final, muitas vezes publicados. Temos como exemplos, os estudos de Leonardo Da Vinci, Delacroix, Van Gogh, Frida Kahlo, Roger Bassetto, Renato Alarcão, onde Charles Watson relata que:

 

‘Sketchbooks’ é um raro exemplo no Brasil de uma antologia desse tipo. Num contexto de consumismo desenfreado e constante procura por novos produtos da indústria e do design, é refrescante ver um livro que visa à contemplação dos bastidores das linguagens criativas. (apud ALMEIDA e BASSETO, 2010, p.08).

 

Abaixo podemos observar (figuras 1 e 2), exemplos do uso do Sketchbook, como suporte para estudos, com diferentes finalidades.

Neste artigo, trazemos o Sketchbook como material didático, possível de ser usado nos diferentes níveis de ensino, com o intuito de possibilitar o estudo, a pesquisa, tendo como foco principal, o desenho como processo do desenvolvimento criativo.

 

A Elaboração do Sketchbook Didático

A partir do contato com um artista Irlandês, James Moore em 2011 em um projeto de intercâmbio, é que tive a oportunidade de manusear o Diário Visual de um artista, o Sketchbook. Instantaneamente fiquei extasiada com a diversidade de informações, tanto textual como visual. Desde então, busquei compreender o processo, pesquisei e li muitos materiais a ponto de inserir esse processo em minhas aulas, como professora do curso de Artes Visuais, bem como passei a utilizar desse meio para meus estudos/registros.

O uso do Sketchbook tem sido “regra” nas minhas aulas de desenho desde o ano de 2013, onde o estudante registra todos os conteúdos, atividades e exercícios, como forma de, em um único espaço, ter acesso as experienciações vivenciadas em sala de aula. Com o intuito de usar esse diário como estudo, o principal foco desse objeto, é que, quando esse estudante for atuar no ensino básico, possa resgatar nesse “caderno” todas e quaisquer anotações, exemplificações do que deu certo e do que não deu.

A ideia é que os estudantes anotem toda e qualquer informação compartilhada nas aulas de desenho no curso de Graduação em Artes Visuais – licenciatura PARFOR, e na sequência, exemplifiquem com desenhos, as possibilidades e técnicas.

Observando as imagens trazidas, é possível constatar que os estudantes ainda tratam o Sketchbook como um “bem precioso” (como cita Renato Alarcão, 2010), sendo que o propósito é que esse suporte seja um espaço de estudos, dicas e experienciações. Mas todos estudantes envolvidos no propósito em tornar o Sketchbook em material didático, estão dispostos a de fato  explorar mais esse “suporte”.

Segundo alguns relatos, vários estudantes já estão utilizando o “Sketchbook Didático” em suas aulas no Ensino Básico e apontam como algo muito positivo e pretendem continuar “enriquecendo” esse “suporte” com informações, dicas e estudos.

 

Considerações Finais

Vários autores descrevem em seus livros, (cito aqui um deles, Pedro Demo), que é de suma importância termos nas salas de aula, professores pesquisadores, tendo em vista a importância desse profissional do ensino em relatar as suas experiências, em mostrar os seus estudos, as suas pesquisas, onde conseguirá, com autonomia, relatar da sua própria experienciação, bem como, mostrar aos estudantes os seus estudos/resultados podendo eles serem positivos ou não.

Tendo em vista que o objetivo é o de auxiliar esse professor/estudante em suas atividades da disciplina de Artes Visuais, sendo o desenho um aliado nas práticas educativas, sabemos da importância desse suporte como espaço de estudos onde, segundo Alarcão (2010), “Além de ser pequeno e transportável, o caderno dispensa ‘plateia’, […] mostrando ensaios de pensamentos na medida em que surgem, embriões de ideias ainda não passadas a limpo e frequentemente sem revisão.” (apud ALMEIDA e BASSETO, 2010, p.09).

Com esse intuito é que propomos o Sketchbook como material didático, onde é e será possível constatar as diferentes possibilidades investigadas pelo professor que atua em Artes no espaço escolar. Vale ressaltar que essa pesquisa ainda está em andamento e pretendemos explorar e enriquecer mais esse processo, visando uma contribuição significativa para o ensino do desenho no Ensino Básico.

 

Referências:

ALENCAR, Eunice M. L. S. Criatividade. Edit. Edunb, Brasília, 1993.

ALMEIDA, Cezar de; BASSETTO, Roger. Sketchbooks - As Páginas Desconhecidas do Processo Criativo. São Paulo: Espaço Epsis, 2010.

BARBOSA, Ana Mae. Redesenhando o Desenho: Educadores, Política e História. São Paulo: Editora Cortez, 2015.

COX, Maureen. Desenho da Criança. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

DALTO, Darlene. Processo de Criação. São Paulo: Marco Zero, 1993.

EDWARDS, Betty. Desenhando com o artista interior. São Paulo: Claridade, 2002.

FORCINETTI, Carla Maria. Livros/Diários de artista: a sua expressão no mundo.

São Paulo, 2008. Dissertação (mestrado) – Faculdade Santa Marcelina.

FUENTES, Carlos e LOWE, Sarah M. El Diario de Frida Kahlo. México: RM, 2010.

GARDNER, Howard. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

MUNARI, Bruno. Das Coisas Nascem Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.

 

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