Minha Uno
Menu Busca

Mestre em Educação pela Uno é eleito coordenador regional interior Sul da FUNAI

Cultura

texto: Carla Andressa Pereira e João Pedro Zatta Grolli 

Quarto Kaingang do Oeste de Santa Catarina a obter o título de Mestre em Educação, Adroaldo Antonio Fidelis, conhecido pelo nome Kaingang de Duko Vãgfy, pertencente a Terra Indígena Toldo Chimbangue, foi nomeado pelo Ministério dos Povos Indígenas para exercer o cargo de coordenador regional interior Sul - SC da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI).

Localizada em Chapecó, a Coordenação Regional Interior Sul atua nas etnias Kaingang, Guarani e Xokleng. De acordo com a Fundação Nacional do Povos Indígenas, a mesma foi criada em 1987 e é responsável por “coordenar e monitorar a implementação de ações de proteção e promoção dos direitos de povos indígenas nos estados de Santa Catarina e Paraná. A área de atuação da CR Interior Sul abrange os municípios de Ipuaçu (SC), Chapecó (SC), Seara (SC), Porto União (SC), Abelardo Luz (SC), Palmas (PR) e Clevelândia (PR), onde vivem aproximadamente 10 mil indígenas”.

Duko conta que a FUNAI é uma consequência de uma luta histórica. O papel que ele ocupa dentro dela envolve o seu trajeto com a educação dentro e fora da comunidade indígena. “De maneira geral, nos temos buscados através desse conhecimento do não indígena, o nosso reconhecimento com mais visibilidade”, destaca.

Ele descreve que a educação pode ser interpretada de duas formas, a educação indígena e a educação escolar. “A educação indígena vem do berço, do povo originário, do convívio com a família após o nascimento, esses cuidados com a criança, o preparo da  criança  para a fase adolescente, depois fase adulta. Já a educação de modo geral, a escolar, é um formato de educação que nós indígenas nos apropriamos desses conhecimentos do não indígena para estar nesse mundo cada vez mais cruel e mais competitivo”, palavras relatadas por ele que transmitem a luta em sua voz.

Esses são os dois lados da educação, fundamental para a existência e reexistência do indígena. Mestre em educação pela Unochapecó, Duko conta que iniciou a vida acadêmica ‘tarde’, com 27 anos. Por consequência da população indígena não ter muitas oportunidades, porém como ele pretendia seguir como professor foi necessário estar no campo acadêmico.

“Quando a Unochapecó oportunizou a partir das licenciaturas interculturais indígenas, eu fui uma dessas pessoas. Agarrei com unhas e dentes para fazer o ensino superior e levar até a nossa comunidade esse conhecimento que pudesse ser útil ao nosso povo. Após terminar a graduação realizei o mestrado”, conta Duko, com entusiasmo.

Durante esses anos de estudos Duko relata que os realizou em seu tempo, o tempo kairós. As dificuldades surgiram, pois dentro da comunidade o ensino vem a partir da oralidade, já no mestrado é exigido a escrita envolvida de referências e bases. “De modo geral tive bastante dificuldade, mas também tive bastante paciência da minha orientadora, sou muito grato a ela. Claudia Battestin, é uma pessoa fantástica, me orientou muito bem para que eu não desistisse. O mestrado é extremamente difícil de fazer, mas eu mostrei que eu era capaz enquanto indígena, porque é visto pelo não indígena, de que nós não somos capazes. Pode-se dizer sim, que a gente é capaz através do conhecimento conquistar o mundo”, salienta.  

“A própria comunidade me tem como liderança, posso ter começado a academia muito tarde mas por não haver até aquele momento a necessidade de ser e estar na condição de um graduado," frisa.

O mestre em Educação lembra que durante 20 anos se dedicou à militância indígena na busca direitos, porém com os ensinamentos dos não indígenas na academia, ele se tornou uma referência para a comunidade. A sua dissertação foi intitulada '(Re)existência e luta da história e memória do Toldo Chimbangue/SC: os saberes kaingang enquanto possibilidade de formação no espaço escolar'.

Ele explica que utilizou esse recorte porque era preciso contar a história na visão de um indígena devido às diversas escritas de um não indígena acerca do assunto. “A gente mantém dentro do território os conhecimentos que vão desde da medicina tradicional, cuidados com a mulher, com a criança, o consumo de diversas ervas, dentro da comunidade, usadas como alimento tradicionais da cultura do povo. Então eu faço um recorte desses símbolos culturais que identificam o ser kaingang. Falo não propriamente do Toldo Chimbangue mas de um modo geral do ser kaingang, que estão nos estados do sul do Brasil e São Paulo, um território único para nós”, frisa Duko.

“A história do Toldo Chimbangue não é diferente de tantas outras que tem a nível de Brasil pelo povo indígena que se considera detentor. Primeiro de conhecimento e também essa busca incessante pelo reconhecimento do território tradicional como sendo deles. Nesse vasto território brasileiro a gente sabe que há diversos embates que se configuram enquanto conflitos fundiários, que é a busca pela demarcação de território. O Toldo Chimbangue por ter essa história linda e fantástica de resistência, que é uma das TI se não a única TI, fez esse levante lá em 1986, quando saiu a primeira portaria, mas a luta começou antes, em 1973. Eu precisava contar essa história em uma visão indígena. Diversas são as escritas que a academia se apropria de pesquisadores não indígenas e eu precisava mostrar essa cara de quem estava lá, de dentro".

Coordenação na FUNAI 

A sua caminhada de militância e de academia resultou no cargo de coordenador regional interior Sul da FUNAI. Agora essa luta envolve a legitimação da demarcação de terras. “Eu tenho hoje o respeito de quem está à frente do movimento indígena a nível de Brasil, região e estado. Mas precisei me despir desse ser militante indígena de maneira que eu possa contribuir na busca de políticas públicas para as comunidades. É extremamente desafiador. Buscamos nesse governo atual a legitimação da demarcação de território, sem ela não podemos lutar por políticas de saúde, educação, sustentabilidade”, destaca. 

Nesta semana é realizado o Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, onde ocorre uma das maiores mobilizações indígenas do país. Duko relembra os conflitos já realizados contra seu povo. “Um exemplo da Lei de Terras em 1850, do processo de imigração que teve na década de 40, o Estado ofertava condições mínimas para italianos a partir da Segunda Guerra Mundial. Trouxe eles para cá e ofertou terras, mas quem veio não sabia que esses territórios haviam sido usurpados dos próprios indígenas. Esse foi um dos graves genocídios e etnocídios que o Estado cometeu contra o povo indígena. E não está querendo reparar isso, quer se abster da responsabilidade de ter cometido um erro no passado, infelizmente”, finaliza Duko.

* estagiários da ACIN-Jornalismo sob orientação da jornalista Eliane Taffarel.

COMPARTILHE
TAGS
Toldo chimbangue
Duko vãgfy
Comunidade

LEIA TAMBÉM

Whatsapp Image