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Um passo de cada vez

Educação

Texto Juliane Bee*

 

Um único sonho é mais poderoso do que mil realidades. A frase é do escritor sul africano J.R.R. Tolkien, mas se aplica muito bem a formanda do curso de Direito da Unochapecó, Isadora Pontes Carabajal. No auge de seus 21 anos, a estudante vivia seu melhor momento. Estudava, trabalhava, dirigia, era independente, participava da comissão de formatura. Porém, de uma hora para outra, ela viu sua vida mudar completamente. Apesar de um diagnóstico de que nunca mais andaria, Isadora tinha certeza que apresentaria de pé o seu trabalho de conclusão de curso (TCC). E conseguiu.

Você nunca sabe quando algo ruim vai acontecer. Ninguém manda um aviso prévio. Simplesmente acontece. Isa, como é chamada carinhosamente pelos amigos e pela família, começou a se sentir mal na madrugada do Dia dos Pais, 14 de agosto de 2016. A data marca o início de uma trajetória difícil e dolorosa, porém cheia de conquistas e superação. O diagnóstico inesperado de uma doença rara, chamada Neuromielite Óptica, ou a Doença de Devic, que paralisa praticamente todo o corpo, atrasou mas não impediu o sonho da jovem em se formar.

Quando tudo aconteceu, Isa teve que parar de trabalhar para se dedicar ao tratamento. Com o dinheiro contado no fim do mês, foi difícil. Mas tudo bem, tudo ao seu tempo. Abrir mão da universidade, no entanto, não passou pela cabeça da estudante. A limitação era física, mas a mente estava sã. E isso ajudou ainda mais. Isa passou a contar com o apoio dos colegas, considerados hoje sua segunda família. O objetivo era se formar com a turma. Começaram juntos e seguiriam juntos até o fim.

 

A vida sob outra perspectiva

Foram tempos difíceis. Quase 30 quilos a mais por conta dos medicamentos, além da cadeira de rodas, que antes era uma estranha, mas hoje é uma ferramenta de aprendizado. "Eu era jovem, estava começando a viver de verdade quando me vi parada no tempo. Muitas vezes me perguntava: por que eu?"

A partir desse momento, Isa se deparou com dois caminhos. Acreditar em sua melhora ou não. Ela optou pela primeira opção e há quase dois anos está firme no tratamento. A fisioterapia ajudou muito e gratidão é a palavra que usa para descrever o que sente por sua fisioterapeuta. "Ela disse que iria me tirar da cadeira, me deu a esperança que eu precisava para acreditar em mim", relembra.

A turma de direito vai colar grau no sábado (24/03)

Cada detalhe, em sua singularidade, passou a ser valorizado. Escovar os dentes sozinha, pegar um copo de água, fazer xixi sem precisar de alguém. Isa passou a ver a vida sob outra perspectiva. "O médico disse que eu não voltaria a andar, que era para eu me conformar e me adaptar. Eu disse: eu vou sim!  Minha fé é maior do que qualquer coisa. Passei então a lutar por mim e pela família, que sempre me apoiou".

Ao falar dos professores do curso de Direito da Unochapecó, Isa relembra com carinho as palavras de força que ouviu. Sempre companheiros e prestativos, eles se colocaram no lugar da estudante. Trabalhos e dúvidas eram solucionados pelo celular, sem mistério. Foram dois semestres estudando apenas algumas noites na Universidade. Mesmo assim, ela não teve nenhum empecilho para conseguir finalizar o curso. A coordenação, os professores e os colegas, segundo ela, foram essenciais nessa jornada, mas o maior incentivador foi o namorado, Caio Rios. Colegas de aula, ele foi a ponte entre Isa e a Universidade. "Ele me carregava para cima e para baixo, me passava os conteúdos e me ajudava quando tinha dificuldade em alguma matéria", acrescenta.

Isa escolheu abordar a acessibilidade em seu TCC

 

Trazer a acessibilidade ao debate

A partir do acontecimento que mudou sua vida, Isa passou a perceber coisas que antes não pareciam tão importantes. Um degrau agora a impedia de se locomover. A vaga para cadeirante não é apenas um desenho pintado no chão, é um direito. A palavra acessibilidade então falou mais alto. Nada melhor do que usar a ideia como trabalho de conclusão de curso (TCC). "O objetivo era fazer um projeto que ajudasse as pessoas que precisam dessas condições especiais, garantidas por lei".

Ela sabia do que estava falando, enfrentava dificuldades todos os dias. Então, por meio de uma pesquisa de campo, apontou as adaptações necessárias no município para a efetivação da cidadania dos cadeirantes. A orientadora do projeto, professora Maria Aparecida Lucca Caovilla, conta que, no começo, a acadêmica queria retratar a realidade de outros cadeirantes, mas ao decorrer da pesquisa, sentiu a necessidade de colocar seu ponto de vista. "Não é muito comum falar sobre si próprio em trabalhos acadêmicos, mas tratando-se de um TCC e pela história da Isadora, por que não? Decidimos ousar", comenta a professora.

A professora afirma que a determinação e a perseverança da estudante foram elementos fundamentais para a elaboração do projeto. Para ela, a emoção do público ao término da apresentação mostra o quanto a inclusão pode empoderar e sensibilizar as pessoas.

Isa e sua irmã gêmea, Heloisa, que também está abordando a acessibilidade em seu TCC

Momento de emoção

Desde o início da graduação, o momento da apresentação do TCC é aguardado com muita ansiedade e expectativa. No caso de Isa, não foi diferente. Além de um trabalho acadêmico, ela contou sua história de vida para as mais de 80 pessoas presentes em sua banca. A ansiedade estava a mil, mas a aluna tinha propriedade no assunto. "Falei sobre preconceito, direitos humanos e minhas vivências como cadeirante", relata.

Nos ensaios a estudante apresentou de pé durante todo o tempo, mas na hora, a emoção falou mais alto. Contudo, nos cinco minutos em que ficou de pé, emocionou a todos. Uma superação. O diagnóstico do médico agora parecia uma lembrança distante. Já a sua previsão, estava mais presente do que nunca. Ela disse que conseguiria e conseguiu.

Para a acadêmica, o mais importante foi falar sobre acessibilidade. Por transformar a realidade de todos a sua volta por conta de sua nova condição, ela despertou o interesse da irmã sobre o assunto. Sua gêmea, Heloisa Pontes Carabajal, cursa Engenharia Civil na Unochapecó e também está abordando o tema em seu TCC. "Tenho certeza de que não vou mais precisar da cadeira de rodas, mas não vou esquecer de tudo que vivi, assim como minha família. Meu porto seguro", conta.

 

Como tudo aconteceu

O Dia dos Pais de 2016 tinha tudo para ser mais uma data de união em família. A data foi comemorada em um restaurante. Todos jantaram e riram a noite toda, estava tudo bem. Exatamente às 4h52, uma dor no peito fez Isa acordar. Ela começou a bater no peito, tentando fazer a sensação passar. Percebendo que não teria como acalmar aquilo, decidiu que era melhor ir ao hospital. Não queria acordar a família, iria sozinha. Tirou o pijama e foi ao quarto dos pais buscar a chave do carro. Quando tentou abrir a porta, não conseguiu, estava fraca demais e acabou caindo ao chão. Com o auxílio da mãe desceu as escadas e entrou no carro. Aqueles foram seus últimos passos.

Ao chegar ao hospital, Isa não sentia a perna esquerda. O diagnóstico foi um tique nervoso, estresse. O médico receitou alguns remédios. Trinta horas depois, ocorreu outro evento. A jovem sentiu seu corpo desligar e passou a não sentir mais nada. Da noite para o dia, Isa perdeu a capacidade de ser ela mesma.

 Quase dois anos depois, a estudante já consegue andar com o auxílio do andador

Não conseguindo respostas em Chapecó, a família viajou a Porto Alegre em busca de recursos. Deu certo. Ela descobriu então que tem Neuromielite Óptica, ou Doença de Devic, uma inflamação que atinge o sistema nervoso central, principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal. Foram 23 dias na UTI e dois tratamentos: plasmaferese e pulsoterapia. Na primeira sessão, uma surpresa. Os dedos dos pés mexeram. O tratamento estava dando resultado e logo ela voltaria a andar. Não foi bem assim. Os médicos disseram que ela não voltaria a andar e, se voltasse, demoraria anos para que se recuperasse por completo.

Quase dois anos depois, a estudante já consegue andar com auxílio do andador, mas isso não é o mais importante. Ela conquistou de novo sua independência. Neste sábado (24/03), a estudante se forma em Direito. A festa de formatura é um momento para ser lembrado durante toda a vida, mas para ela tem um significado ainda mais especial. "Só tenho a agradecer e comemorar, porque no fim tudo deu certo".

Isa encarou tudo que aconteceu com ela como um grande aprendizado. Os desafios continuam maiores do que nunca, mas ela não tem medo. "Aprendi que o mais importante é viver o agora", finaliza.

 

*Estagiária, sob a supervisão de Greici Audibert.
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