Intervenções urbanas no espaço público

Artigo publicado pelas professoras Márcia Moreno e Sonia Monego no evento "Poéticas da Criação" - 2013

13/11/2018
Por: Márcia Moreno
Figura 2: Intervenção Urbana “Chicken Parade: intervenções urbana”    Local: Rua Benjamin Constant – Calcadão    Fonte: Gina Zanini, 2013

Intervenção urbana: provocação, reflexão ou transformação?

Márcia Moreno e Sonia Monego

 

Com este artigo apresentaremos o resultado de interferências urbanas realizadas na cidade de Chapecó – SC pelos professores e estudantes do curso de Artes Visuais da Unochapecó – Universidade Comunitária da Região de Chapecó, tendo como tema: Intervenção Urbana: provocação, reflexão ou transformação?

Este artigo se encaixa na área temática "A arte nas e das ruas como experiências multiautorais", tendo em vista o uso da linguagem artística como forma de diálogo e reflexão entre o público e as obras. O objetivo do projeto foi Instigar/provocar a reflexão do público sobre questões políticas, econômicas e sociais usando a linguagem de interferências nos espaços urbanos da cidade de Chapecó, possibilitando assim maior inserção social das Artes Visuais no cotidiano dos sujeitos que circulam quase que diariamente por espaços comuns na cidade referência. 

Com esta linguagem contemporânea procuramos ampliar o acesso a produção artística, enriquecendo o universo estético da sociedade, uma vez que esta é uma forma mais direta de dialogar com o público, pois aparece como uma alternativa aos circuitos oficiais, capaz de proporcionar o acesso direto e de promover um corpo-a-corpo da obra de arte com o público, independente de mercados consumidores ou de complexas e burocratizantes instituições culturais.

As interferências realizadas na cidade de Chapecó surgiram de temas emergentes, levando-se em conta elementos primordiais como: os indivíduos, o fluxo urbano coletivo, o trânsito, a arquitetura, a paisagem, o clima, a cultura e os demais fenômenos ocorrentes nos espaços públicos. Entre as interferências realizadas citamos: “Andar de moto pode ser um meio suicida”, “A Imprudência no trânsito mata”, “Chicken Parade”.

Palavras chave: Arte contemporânea, Interferência artística, arte pública.

Through this article we will show the results of urban interventions realised  in  Chapecó City, Santa  Catarina by teachers and students of the Visual Arts degree course of Unochapecó - Universidade Comunitária da Região de Chapecó having as the subject : Urban Intervention: provocation, reflection or transformation? This article fits under the theme "Art in the streets and street art as experiences of multiple authors", in view of the use of language as a form of artistic dialogue and reflection between the public and the works. The goal of the project was to Instigate / provoke the reaction/reflection of the public on political, economic and social subjects using the urban interference  language of Chapecó city , thus enabling greater social inclusion of Visual Arts in everyday subjects which circulates almost daily by spaces in the city reference. With this contemporary language we seek to expand access to artistic production, enriching the aesthetic universe of society, since this is a more direct dialogue with the public, as is an alternative to the official circuits, able to provide direct access and to promote a body-to-body of artwork with the public, regardless of consumer markets or complex and bureaucratic cultural institutions. The interferences held in the city of Chapecó have emerged regarding key elements such as individuals urban collective flow transit, architecture, landscape, climate, culture and other phenomena occurring in public spaces. Among the interferences made we quote: ""Riding a motorcycle can be a way of suicide", "Recklessness in traffic kills",  " Chicken Parade ".

Keywords: Contemporary art, artistic interference, public art.

 

Intervenções urbanas no espaço público

Ao longo da história, a praça, espaço público e local de encontros e debates, tem sido um elemento significativo nas relações culturais, porém podemos observar que desde sua origem até a atualidade a praça mantém pelo menos uma função que é o encontro de diferentes culturas, etnias ou classes sociais, servindo também de espaço político e cultural, bem como preservação de memórias, pois aí se encontram diversos monumentos como representações de ícones históricos ou de histórias que remetem a memória da cidade. Segundo Brissac (2004, p.13), a cidade “[...] é um horizonte saturado de inscrições, depósitos em que se acumulam vestígios arqueológicos, antigos monumentos, traços de memória e o imaginário criado pela contemporaneidade”.

Partindo desta contextualização, o que nos interessa nesta reflexão é o espaço urbano frequentado pelos diferentes públicos, pois entendemos que é ai que podemos propor atividades artísticas culturais, provocando nas pessoas uma reflexão crítica sobre situações contemporâneas. Sair de instituições culturais e dos circuitos de instituições estabelecidos e levar a arte a um espaço mais amplo baseiam-se na vontade de democratizar o acesso às expressões artísticas por meio de apropriação de circuitos alternativos acessíveis a todos, proporcionando a percepção crítica do olhar.

De acordo com Brissac (2011, p.14,),

Tirar obras de instituições culturais, dos circuitos de instituições estabelecidos, dos padrões convencionais de classificação, e leva-las a um diálogo mais amplo. Não tomar as obras isoladamente, mas como intervenção num espaço mais complexo [...] os trabalhos específicos do lugar levam para fora do atelier tradicional, substituído pela indústria, mídia e urbanismo, explicita a relação entre arte e cidade: trata-se de despertar a experiência do mundo de que toda arte é expressão”.

Com a arte urbana podemos envolver os indivíduos, o fluxo urbano coletivo, o trânsito, a arquitetura, a paisagem, o clima, a cultura e os demais fenômenos ocorrentes nesse espaço público onde ocorre a intervenção.

Intervir é interagir, causar reações diretas ou indiretas, em síntese, é tornar uma obra inter-relacional com o seu meio, por mais complexo que seja, considerando o seu contexto histórico, sociopolítico e cultural.

Para Quintella in Cirrilo (2011, p 471) “[...] mais do que apenas uma relação obra/suporte com os espaços públicos, a obra de arte estaria na essência da criação da própria esfera de vida pública. A arte quando inserida no espaço público, tende a ser decodificada como um bem pertencente a todos”.

Podemos aqui fazer referência às obras de arte que são realizadas para permanecerem nos espaços públicos, realizadas geralmente pelo poder público e as obras efêmeras, que na maioria das vezes são realizadas por ações individuais ou coletivas, como o caso das interferências urbanas, que apresentam temas emergentes, tratando de questões locais, pontuais, momentâneas com força e potência para despertar o interesse das pessoas.

Para Quintella (in Cirillo, 2011, p.470) “[...] os artistas que trabalham com obras efêmeras acreditam na sua potencia transformadora, apostam no impacto da visualidade das ruas, na radioatividade desses gestos simbólicos por mais imateriais que sejam”.

Muitos artistas contemporâneos têm usado diferentes formas de manifestações artísticas, sendo o espaço urbano muito ocupado, pois esta é uma forma mais direta de dialogar com o público. O Vinculo entre a arte e o público tendo a cidade como intermediária, provoca a reflexão, realiza obras de acordo com o discurso da arte contemporânea.  

Partindo destes pressupostos apontaremos as Interferências Urbanas realizadas pelos professores e alunos do curso de Artes Visuais da Unochapecó (Universidade Comunitária da Região de Chapecó) na cidade de Chapecó, Oeste de Santa Catarina, Brasil.

Estas Interferências Urbanas aparecem como uma alternativa aos circuitos oficiais, capaz de proporcionar o acesso direto e de promover um corpo-a-corpo da obra de arte com o público, independente de mercados consumidores ou de complexas e burocratizantes instituições culturais.

Para Brissac (2011, p.26),

Nas cidades os olhos não veem coisas, mas figuras de coisas que significam outras coisas. Ícones, estátuas, tudo é símbolo. Aqui tudo é linguagem, tudo se presta de imediato a descrição ao mapeamento. Como é realmente a cidade carregada deste invólucro de símbolos, o que contem e o que esconde, parece impossível saber.

Desta forma, ao propormos intervenções no espaço urbano de Chapecó pretendemos ampliar o acesso ao público da produção artística, enriquecendo o universo estético, bem como provocar um estranhamento e impacto reflexivo e questionador  em relação as questões políticas, econômicas e sociais, possibilitando assim , maior inserção social no comportamento das pessoas que circulam pelas ruas, praças e calçadão. Sendo assim, partimos de questões relevantes e significativas para a sociedade em questão, como é o caso do trânsito, meio ambiente e agroindústrias.

Entre as interferências realizadas selecionamos apenas 3 para relatarmos, sendo elas: “Andar de moto pode ser um meio suicida, “A Imprudência no trânsito mata”, “Chicken Parade”

Com a intervenção “Andar de moto pode ser um meio suicida”, procuramos realizar uma ação com o intuito de provocar um olhar  aguçado em relação ao elevado número de acidentes  provocados por este meio de transporte,  assim como diz Martins (2012, p.25) “[...] a mediação cultural, como facilitadora do encontro entre arte e fruidor, precisa ser pensada como uma ação específica, como uma área de estudo singular”.

Na continuidade a autora fala da importância do sujeito fruidor para que se alcance os resultados esperados e afirma:

[...] isso significa que não se pode provocar apenas sua face cognitiva, conscientizando-o de todas as nuances presentes na obra ou em sua relação com ela; mas acima de tudo, é preciso promover um contato que deixe canais abertos para sensações, sentidos e sentimentos despertados, para a imaginação e a percepção, pois a linguagem da arte também fala por sua própria língua e é por ela mesmo que se lê. (MARTINS, 2012, p.25).

Partindo destes conceitos, propusemos a realização da exposição de uma moto “enforcada”, a ideia surgiu a partir da  palavra “suicida”, onde a representação desse ato se deu na elaboração de uma forca.

A Instalação foi montada no canteiro central da Avenida Getúlio Dorneles Vargas cruzamento com a Rua Benjamin Constante, atual calçadão, e provocou a interação com o público, que com curiosidade e questionamentos, fez com que olhassem com outras perspectivas e pontos de vista a situação das motos na cidade. As concessionárias por sua vez, tiveram um olhar voltado para o prejuízo, reclamaram, pois se diziam vítimas, estavam preocupadas com a queda na venda do produto. Pudemos perceber que cada um olha sobre seu viés,

Por aproximadamente 10 dias a moto ficou “enforcada” sem nenhuma identificação, o que instigou ainda mais os observadores, passados os dez dias, colocamos então um banner apresentando estatísticas (informações repassadas pelo corpo de bombeiros do município) quanto ao elevado número de acidentes e também suas consequências.  Desta forma, oportunizamos dados reais sobre a situação dos motoqueiros na cidade, deixando para que cada um tirasse suas conclusões. Com esta interferência no espaço público, as pessoas puderam ampliar seus conhecimentos sobre arte contemporânea bem como conheceram mais a fundo um fato significativo da cidade de Chapecó que é o trânsito de motos. Com isso concordamos que; “Quanto mais experiências estéticas, maior apropriação artístico-cultural” (LEITE apud MAKOWIECKY e OLIVEIRA, 2008, p.70).

Devido ao grande impacto e mobilização provocada com o “enforcamento da moto”, o Departamento de Transito do Município contatou com o grupo de artistas, propondo uma nova ação relacionada ao trânsito, mas agora pensando em automóveis. Segundo pesquisas e registros, no município há também um grande índice de acidentes automobilísticos, fato que se deve ao grande número de veículos que circulam todos os dias pelas ruas da cidade. Segundo estatísticas, existe aproximadamente 150 mil carros para uma população aproximada de 180 mil habitantes, quase um carro por pessoa.

Partindo destes dados, realizamos um levantamento dos principais pontos da cidade, com maior índice de acidentes para realizar a interferência. Nestes espaços propusemos a inserção de carros batidos e desenhos de silhuetas de corpos no chão, representando o pedestre que muitas vezes é atropelado, inclusive quando utiliza a faixa de segurança.

Toda a ação da Intervenção foi realizada na madrugada, com o intuito da população se deparar, ao irem para o trabalho na manhã seguinte, com a cena desconfortante de um acidente, um carro sobre o canteiro central, manchas vermelhas, como se fosse sangue e sinais de corpos no chão.

Para Martins (2012, p.26), “[...] a obra, assim, é sua própria mediadora. É primeiridade que apela para o encontro. Cabe também ao mediador deixar espaço para que este primeiro encontro seja vivido, no silêncio dos códigos da própria linguagem. Respeitar este tempo é respeitar a obra, a arte”.

Ao acordar a cidade ficou em alvoroço, ao se depararem com as cenas dos carros batidos, as pessoas comentavam, questionavam, teria morrido alguém? O que aconteceu?  Por meio da imprensa, que noticiou as interferências realizadas, pudemos constatar que a população ficou abalada com os supostos acidentes. Ao serem entrevistadas as pessoas se diziam perplexas; um senhor comentou: “Parece que houve um acidente aqui, e grave, olha as marcas dos corpos pelo chão [...]”.

Bononi (aput Furtado) diz:

A arte pública não enfeita a cidade nem a transforma num museu ao ar livre. Ela pressupõe muito mais que isso. Ela se impõe o dever de resgatar a formação do olhar da população e ao mesmo tempo o de se adequar ao entorno por sua inserção social no urbano (In Cirillo at all, ,2011, p.329).

Outra intervenção que comentaremos aqui foi Chicken Parade, realizada em 2012. Esse projeto teve como referência a Cow Parade que teve seu início no ano de 1998, na cidade de Zurique, Suíça. O projeto que apresenta como objetivo a propagação e democratização da cultura, envolveu vários países, cidades e artistas.

A proposta do projeto Chicken Parade – Intervenções Urbanas, na cidade de Chapecó, teve como objetivo explorar a agroindústria da cidade, tendo em vista que a mesma se destaca internacionalmente por exportar produtos alimentícios industrializados de natureza animal.

Neste contexto, a galinha passa a ser o foco nesta intervenção. Nove “galinhas”, feitas de fibra de vidro, medindo 1,5 m de altura por 2 m de largura, serviram de suporte para os artistas. Cada artista desenvolveu um projeto, para ser pintado nas galinhas, tendo como tema a história e memória de Chapecó. A ênfase recaiu sobre a indústria, colonização e o progresso do município.

Este projeto, que foge dos padrões convencionais, ao expor fora do “cubo branco”, visa também deselitizar a arte, tornando-a acessíveis a todos. As “Chicken”, que ficaram expostas 50 dias no calçadão, se transformaram num ponto turístico.

O espectador ao manter contato visual com a intervenção, conectava a relação da forma (galinha) com a história local, atingindo assim, um dos objetivos do projeto que era promover essa aproximação com a história/memória local, bem como a inserção/imersão da Arte num espaço onde as pessoas, querendo ou não visualizavam as grandes formas de galinhas, detendo assim os seus olhares mais atentos à um espaço urbano corriqueiro.

Segundo Zaidler (in Cirillo at all,2011, p.132),

A intervenção artística na cidade transforma qualitativamente a amplitude do espaço público. Agrega a sua complexidade significados e códigos, de modo que obra e entorno – o material e o sociocultural – se integram em um único bem simbólico, cuja principal potencialidade é oferecer-se à fruição e favorecer a percepção de um determinado local enquanto lugar.

Diante o exposto, podemos afirmar que todas as ações realizadas pelo grupo de professores e alunos no espaço urbano de Chapecó provocaram diferentes olhares para situações locais, fazendo com que muitas pessoas revissem seus conceitos, uma vez que instigou a pensar e refletir sobre determinados fatos. A arte Urbana proporcionou as pessoas um olhar diferenciado para a cidade, instigando o olhar para situações do cotidiano, possibilitando outras perspectivas e pontos de vista diferentes.

 

Referências: 

CIRILLO, José e et al (orgs). II Seminário Internacional sobre Arte Público en Latinoamérica. Arte Público Y Espacios Políticos: interacciones y fracturas en las ciudades lationamericas. vol. I e II: 2011, Vitória, ES.

MAKOWIECKY, Sandra e OLIVEIRA, Sandra R. (orgs.). Ensaios em Torno da Arte. Chapecó: Argos, 2008.

MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. 2 ed.São Paulo: Intermeios, 2012.

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. 3.ed. rev. E ampl.-São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

 

 

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