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Uma década levando conhecimento acadêmico às comunidades indígenas

Comunidade

Texto Ana Vertuoso*

 

Você já parou para pensar na origem das pessoas que vivem na região Oeste? Muitas têm antepassados em países da Europa, como é o caso dos alemães e italianos, ou da África, como os senegaleses. Já outra grande parcela da população têm suas origens aqui mesmo, em comunidades indígenas. Apesar de muito da sua cultura ter se perdido, eles ainda preservam seus próprios costumes e rituais.

"O indígena é um povo nativo daqui. São pessoas que habitam a terra há muito tempo e muitas vezes não se identificam como indígenas, mas como cidadãos brasileiros. Na nossa região, a presença mais marcante é a dos Kaingang", explica o pró-reitor de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-Graduação da Unochapecó, professor Leonel Piovezana.

As escolas indígenas reforçam as culturas e o idioma materno de cada povo

De acordo com o professor, as comunidades indígenas locais estão tentando revitalizar sua cultura, e um dos desafios enfrentados era a falta de professores indígenas. Ele conta que, até 1995, por exemplo, a maioria dos professores que atuavam em terras indígenas eram não-indígenas. Com isso, a cultura e a língua materna iam se perdendo.

Há algum tempo, a Unochapecó percebeu a necessidade de acolher esses povos, aliando os conhecimentos acadêmicos com a sua realidade cultural. Vinte anos atrás, a Uno firmou uma parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para oferecer bolsas de estudo aos indígenas em diversos cursos da Universidade, e, há dez anos, possui cursos de Licenciatura Intercultural Indígena em quatro áreas de conhecimento: Línguas, Artes e Literaturas; Ciências Sociais; Matemática e Ciências da Natureza; e Pedagogia.

Como qualquer licenciatura, o curso tem o objetivo de formar bons professores, mas a principal diferença está na metodologia utilizada. "O desafio está em garantir a interlocução entre saberes tradicionais com os saberes universais de formação desses professores, por meio de diálogos com anciãos e os próprios estudantes", explica a coordenadora da Licenciatura Intercultural, professora Teresa Dill.

Pensando nisso, o curso possui uma proposta diferenciada. Ao invés de trazer o indígena para o campus todas as noites, as aulas do curso, que tem duração de cinco anos, são realizadas intercaladamente, em Terras Indígenas e na Unochapecó. Os encontros presenciais acontecem nas sextas-feiras e nos sábados, e os acadêmicos recebem transporte, estadia e alimentação.

A preocupação com os métodos adotados tem dado resultado. De acordo com Teresa, somente no segundo semestre de 2019, foram abertas cinco turmas em diferentes aldeias da região. "Temos uma turma de Pedagogia na Reserva Kondá, e outras turmas de Ciências Biológicas, Letras - Língua Kaingang e Pedagogia na Terra Indígena Xapecó. Além disso, temos uma turma de Educação Física na Unochapecó".

A participação dos próprios indígenas no processo de ensino ocasiona mudanças que ultrapassam a academia. Se antes a grande maioria dos professores em aldeias eram não-indígenas, hoje esse cenário está bastante diferente.

"As escolas indígenas possuem agora 90% dos professores indígenas. Eles contribuem com o fortalecimento da cultura por meio do processo pedagógico, e também se envolvem com mais propriedade nas questões da comunidade. Nós observamos, ainda, que esses professores possuem mais respeito e valorizam mais sua cultura", salienta a professora.

 

Continuação dos estudos

Adroaldo é professor na Escola Indígena (EIEF) Cacique Pirã, em Seara

Os membros de seis comunidades da região têm a oportunidade de estudar na Unochapecó. Um deles, é Adroaldo Antonio Fidelis. Membro do povo Kaingang, ele cursou Licenciatura Intercultural em Ciências Sociais, e se formou no final de 2018. Hoje, atua como coordenador pedagógico na Escola Indígena de Ensino Fundamental (EIEF) Cacique Pirã, no município de Seara, e pensa em continuar os estudos por meio de um mestrado. 

Nas palavras de Adroaldo, a vontade de ingressar na Universidade é tanta, que permeia o sonho dos jovens indígenas. "Eles já se imaginam nos diferentes cursos e nas diferentes áreas do conhecimento. Visam cursos como Medicina, Agronomia, Ciências da Computação e Educação Física, tentando provar para si mesmo a capacidade que, muitas vezes, é contestada".

Ter a chance de cursar uma graduação com muita qualidade e com todos os benefícios que a Universidade oferece, para o professor, fez toda a diferença. "A oferta de cursos superiores específicos para a população indígena tem contribuído, e muito, com a formação específica em acordo com as habilidades e tempo do povo indígena", explica Adroaldo.

De acordo com o professor Leonel, as mudanças não atingem somente quem passa pela graduação, mas toda a comunidade. Atualmente, todas as crianças indígenas da região estão matriculadas em escolas. "Com isso, vem o repensar na maneira dos povos usufruírem de suas terras, cuidarem da natureza e organizarem seu trabalho. Nós percebemos claras mudanças. Dentro da terra indígena Xapecó, por exemplo, tem quase 17 mil hectares e mais de 6 mil pessoas divididas em várias comunidades. No dia a dia, fica clara a diferença".

 

Um futuro melhor

A vida de outro indígena que mudou com a graduação é a de Mario Antunes, do povo Kaingang, que também concluiu a Licenciatura em Ciências Sociais no fim do ano passado. Ele decidiu ingressar na Universidade para ampliar seus conhecimentos no mundo científico e também para ter uma chance de mudar a imagem que as pessoas tinham dos povos indígenas. 

Mario se formou na segunda turma de Licenciatura Indígena da Unochapecó

"A minha decisão de entrar na Universidade foi justamente para levar uma nova visão de índio perante a visão capitalista. Hoje, eu consigo andar de cabeça erguida, com a sensação de dever cumprido. Fiz alguns acadêmicos, e até mesmo professores, conhecerem um pouco mais sobre a cultura indígena", explica.

Mario trabalha há sete anos na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e atuou até a metade deste ano no Projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA). No futuro, ele espera melhorar a educação regional. "Minhas expectativas depois da formação são de contribuir ainda mais com o quadro docente que já atua no âmbito escolar, ajudando na elaboração de novos projetos para garantir uma educação diferenciada".

Assim como Adroaldo e Mario, mais de 230 integrantes de comunidades indígenas da região já passaram pela Uno e hoje atuam em diversas áreas, como licenciatura, direito, odontologia e medicina. "São pessoas que estão se reorganizando e se reinventando nesse sistema. Eu acredito que logo, daqui três ou quatro anos, nós já teremos professores indígenas dentro da Uno ensinando não-indígenas", explica o professor Leonel.

A compreensão da Universidade nesse processo é muito importante. Em meio a tantos desafios, Leonel destaca o papel da comunidade acadêmica. "Um dos grandes obstáculos é a comunidade entender que eles não estão aqui dentro de graça, não estão tirando o espaço do outro. É importante ter a sensibilidade de incluir a todos, e a Unochapecó faz isso. Independente de questões culturais, o nosso foco está no desenvolvimento em todos os sentidos e na formação da dignidade humana", conclui.

 

*Estagiaria sob supervisão de Gabriel Kreutz

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Unochapeco
Licenciatura intercultural indigena
Graduaçao
10 anos

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